Outras Fontes e Novas Verdades Acerca da Ditadura Civil-Militar Brasileira
Portfólio
Nossas referência bibliográficas para elaborar essa sessão foram:
PINHEIRO, Manu. Cale-se: a MPB e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro : Livros Ilimitados, 2010.
FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro : Record, 2001.
A música sempre foi utilizada pelo homem como meio de comunicação e, resgatando um pouco da história das sociedades, vê-se que todo e qualquer movimento revolucionário teve sua música tema.
A música é comunicação. Portanto, deve ser levada em consideração a partir do momento em que se estuda uma sociedade, uma época.
(PINHEIRO, 2010, p. 9)
O golpe desfechado no alvorecer do 1º de abril de 1964 enveredou pelo caminho do fechamento político e desembocou numa ditadura militar cujo requinte repressor extrapolou, em muito, a ditadura estado-novista de Getúlio Vargas. 1964 simboliza para o Exército o momento em que ele deixou de ser apenas o árbitro supremo da política nacional e um dos membros efetivos da burocracia estatal para se transformar no senhor absoluto, com capacidade de comando para intervir, juntamente com militares das outras duas Forças Armadas – Marinha e Aeronáutica –, nas funções compatíveis a cada um dos três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo, rompendo assim a normalidade institucional do país.
(SILVA, 1992, p. 292 apud PINHEIRO, 2010, p. 29)
O programa Tropicália, da TV Tupi, fracassou por conta da censura. Os conservadores também criticavam o disco que levava o mesmo nome. A TV Record, num ato quase desesperado, tenta juntar todos os artistas numa “Frente Única da Música Popular Brasileira”, que teve até passeata.
(PINHEIRO, 2010, p. 40)
No final da etapa nacional do III Festival Internacional da Canção, realizado em setembro de 68, no Rio de Janeiro, trinta mil pessoas viram ao vivo Geraldo Vandré no palco, sozinho ao violão, cantando “Pra não dizer que não falei das flores”. Solano Ribeiro afirma que Vandré não ganhou o festival, pois os militares advertiram a direção da Rede Globo, proibindo a emissora de premiar a música. Apesar da resistência da Globo, o prêmio ficou com “Sabiá”, canção de Tom Jobim e Chico Buarque. A mensagem inserida na canção de Vandré foi considerada por muito tempo – e ainda hoje o é – “o sonho de resistência ao regime autoritário” (WORMS e COSTA, 2002, p. 103). Da mesma forma, a canção “Sabiá”, analisada com calma e critério, também pode ser considerada uma música de protesto, já que suas palavras poderiam, claramente, contar as angústias de um exilado.
(PINHEIRO, 2010, p. 41)
Depois de passar quatro meses confinados em Salvador, Gil e eu fomos convidados a deixar o país. Essa decisão terrível foi resultado das conversas de Gil com o coronel Luís Artur, chefe da Polícia Federal na Bahia, a quem tínhamos tido deveras de nos apresentar diariamente durante o período de confinamento (…) O coronel, que desde nossa chegada externara desaprovação ao fato de lhe termos sido entregues sem nenhum papel que documentasse nosso “processo” ou mesmo nossa prisão, empenhou-se em nos ajudar. Seus reiterados pedidos de que nos deixassem trabalhar encontrou como resposta a sugestão de nossa saída do país. Tendo prendido dois emergentes astros da música popular a quem rasparam os cabelos famosos, temendo que eles se tornassem, depois da prisão injustificada, inimigos mais ferozes do que os tinham suposto – e inimigos com poderes sobre a opinião pública –, os militares ficaram sem saber o que fazer com eles. O exílio, imposto com a mesma grosseira informalidade da prisão, foi a solução que lhes pareceu inteligente.
(VELOSO, 1999, p. 413 apud PINHEIRO, 2010, p. 46)
[Wilson Simonal] Após ter despedido um funcionário de seu escritório, sob a acusação de roubo, Simonal o teria delatado, fazendo com que o homem fosse preso e torturado. Tal atitude foi considerada, principalmente pela classe artística, como uma confissão do cantor, que seria uma espécie de espião – a mando do regime – dentro da classe artística. Simonal, tachado de dedo-duro, teve sua carreira arruinada e, somente em 1991 (20 anos depois), “(…) a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República emitiu um habeas data, um documento oficial que nega que o cantou tenha colaborado para qualquer órgão da polícia política (...)”. (ARAÚJO, 2002, p. 291)
(PINHEIRO, 2010, p. 54-55)
No DVD que marca as comemorações pelo seu 60º aniversário, Chico (Buarque) fala sobre o momento em que o Brasil passa a sofrer a censura prévia. Meios de comunicação, artes, teatro, cinema, música, enfim, nada deixava de passar pelo crivo da ditadura.
“Não havia a sensação de um poder determinando as coisas: fulano será preso, fulano será solto… Era uma coisa que vinha de todas as partes (…) A partir do AI-5 então começou a existir a censura prévia (…) Pra gravar uma música você tinha que submeter a letra a censura federal, Departamento de Cesura da Polícia Federal. Quando me diziam 'se você mudar tal verso a música é liberada', eu mudava. Claro, eu queria que a música saísse, que a música fosse ouvida. E muitas vezes quando diziam isso (…) muitas vezes era puro exercício de poder.”
Nesse momento, ainda segundo o depoimento do próprio Chico, é que a criatividade dos compositores era instigada. Surgiram alguns macetes para que as músicas fossem liberadas. Ele, por exemplo, conta que aprendeu a entregar seus textos – não só os das músicas, como também os do teatro – com certa “gordura”, já imaginando que muitas daquelas palavras seriam cortadas pela censura. Chico diz: “(…) era mandar uma letra enorme, com introdução, e lárárá, e final, e no miolo é que tava a letra verdadeira. E se você tinha a música liberada não era obrigado a gravar toda aquela letra. Aí gravava o pedaço que era pra valer”.
(PINHEIRO, 2010, p. 61-62)
O Rio de Janeiro, nos anos 60, era uma cidade onde de quinta a sábado você podia andar na rua até cinco da manhã que fervia de gente. Quando aparecia uma bicha muito louca na rua, o povo aplaudia. Eu achava aquilo tão engraçado que eu ficava admirado. Eu vinha do Mato Grosso, onde só tinha um [gay] que passava na rua e só faltava o povo jogar pedra. Isso era de uma maneira geral, o Brasil era mais tolerante com todas as diferenças e foi ficando intolerante. Quem instituiu a violência no Brasil foi a ditadura militar e o povo passou a ser violento. Existe uma violência agora embutida em todo o mundo, você hoje em dia não pode dar uma opinião. Nas redes sociais as pessoas caem furiosas. Eu não tenho rede social porque não me interessa o que as pessoas estão pensando, porque as pessoas estão loucas, estão radicais. Como a gente vai ser um país com pensamento radical? Mas você vê isso em tudo. Na política estamos chegando à beira de uma guerra civil por causa dessa gente ridícula.
(Ney Matogrosso em entrevista a El País – disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/14/cultura/1444833284_230979.html)
Foi polêmico o estabelecimento da censura. Embora existissem parlamentares que a quisessem ampla e irrestrita, membros da própria Arena, em 1970, acusaram o constrangimento ante a medida, discursando contra sua imposição. As atividades culturais e artísticas foram especialmente visadas. A censura à imprensa foi tão sistemática que rotinizou-se e, em muitos casos, acabou sendo absorvida, pelos jornalistas, como etapa regular dos trabalhos diários da imprensa. A imprensa escrita foi uma das grandes vítimas da censura.
(FICO, 2001, p. 168)
(…) estavam submetidos à censura prévia os seguintes periódicos: Tribuna da Imprensa, O Pasquim, A Notícia (Manaus), Opinião, Ele e Ela e Pais e Filhos. Os primeiros jornais políticos, incomodavam por razões óbvias. As duas últimas, revistas de variedades e comportamento, chocavam-se com o puritanismo de muitos ao estamparem matérias sobre sexualidade, por exemplo.
(FICO, 2001, p. 168)
Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter confissões. (…) Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior.
(Fala do então Presidente da República, Ernesto Geisel)
(…) em certas circunstâncias [a tortura] é necessária. (…) não sou contra (…) Não tenho nenhum escrúpulo. (…) Acho que ela é válida em certas circunstâncias (…). (…) por necessidade de informações, acho válido.
(Fala de Adyr Fiuza Castro, criador do CIE, Centro de Informações do Exército, órgão a propor a maior quantidade de censuras a material considerado subversivo pela ditadura e responsável por grande parte da estrutura da máquina de repressão do governo, tendo torturado centenas de cidadãos brasileiros)
O Ministério da Saúde usou a censura para ocultar um surto de hemorragia, causada por mosquitos, que atingiu crianças em Altamira (PA), em junho de 1972.
(FICO, 2001, p. 170)
Outro caso curioso de censura também aconteceu a partir de uma iniciativa individual. Em 1972, no bairro carioca de Maria da Graça, a tranquilidade do lar de um pacato profissional liberal foi rompida: chocada com o conteúdo da correspondência que acabara de chegar, a esposa do Dr. R. L. de S. rasgou-a indignada. Tratava-se de um cartão-resposta comercial da Fernando Chinaglia Distribuidora S.A. com “uma espetacular oferta que não se repetirá: as 'gravuras eróticas de Picasso', pela metade do preço”. Numa das faces do folheto havia a reprodução de duas gravuras. O Dr. R., repassado de repulsa, escreveu ao ministro da Educação: (…). Diante do perigo iminente, o ministro da Educação, Jarbas Passarinho, não titubeou em usar o ofício exclusivo de comunicação entre ministros de Estado e expediu o Aviso nº 1.402, endereçado ao seu colega Alfredo Buzaid:
tratando-se de mais uma tentativa de degradação dos costumes da família brasileira pela infiltração perniciosa no lar (…).
Em 12 de janeiro de 1973, o Dr. R. viu reparada a ofensa que atingia seu lar: o Diário Oficial da União divulgou a decisão de Alfredo Buzaid proibindo, em todo o território nacional, a publicação de As gravuras eróticas de Picasso.
(FICO, 2001, p. 177-178)
Ao destacar atitudes incertas de algumas personalidades, o que se pretende é sublinhar o que elas possuíam de representativas de uma época – caso, por exemplo, dos ex-colaboradores do regime que construíram um discurso de autodefesa baseado no não arrependimento, ou dos militares e civis que entendiam a tortura como um “mal menor” ou “inevitável nas circunstâncias”. Também Armando Falcão era representativo de certa personalidade encontradiça nos desvãos da Ditadura Militar: os civis que admiravam o rigor, a virilidade e o destemor dos militares, ansiosos por serem como eles, sempre dispostos a servi-los ou a convocá-los para a solução dos problemas.
(FICO, 2001, p. 180-181)
Enfim, em 1974, uma comissão já havia sido nomeada para “apresentar sugestões que melhor situem [a censura] no propósito de preservação da moralidade pública e de defesa das instituições”. Outra comissão, com a mesma incumbência, foi nomeada em 1977. Mas a censura persistiria até o fim do regime militar.
(FICO, 2001, p. 181)